terça-feira, 23 de setembro de 2008

* VEXAME

É com profundo pesar que afirmo: Foi um vexame. Lamentavelmente, não encontro outra palavra melhor para exprimir meu repúdio à decisão tomada pelo Corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público de enviar ofício à Corregedoria do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para apurar conduta funcional do colega Kleber Couto Pinto, Procurador de Justiça, que em artigo publicado fez críticas à decisão do Supremo Tribunal Federal no caso da edição da súmula referente ao uso de algemas.
Na realidade, as ácidas palavras pronunciadas pelo ilustre Procurador, independentemente de exprimirem idéia dominante no seio do Parquet, são irrelevantes. É que num país que pretenda ser democrático nenhuma instituição tem o direito de calar as críticas por mais injusta e absurda que sejam.
O Corregedor entendeu que nosso colega abusou do direito de manifestar seu inconformismo com determinada situação jurídica. Sua atitude foi correta? Será que cabia a ele tomar qualquer medida? Caso fosse legítimo ao Corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público punir todos aqueles que formulem críticas aos integrantes dos Poderes (Federais, Estaduais ou Municipais) não haveria mais liberdade de expressão. Hoje se procura punir alguém por ter manifestado pensamento contrário ao dos ministros da Suprema Corte, amanhã, quem sabe, não se pretenderá punir alguém por ousar discordar da posição adotada pelo Conselho Nacional do Ministério Público.
No Estado Democrático de Direito, os atos emanados de qualquer autoridade correcional, não podem afrontar a Constituição. No Brasil, a Lei Maior consagrou a liberdade de expressão e a proibição da censura, repetindo a vedação em artigos e parágrafos diversos. A postura do legislador constituinte revela flagrante desprezo pelas práticas de um regime autoritário e de exceção outrora vivido. E, nesse compasso, bem sabia o legislador que a existência de uma democracia depende muito da garantia da liberdade de expressão em seu duplo papel: de um lado, como um direito subjetivo essencial para a auto-realização do indivíduo no contexto da vida social, e, de outro, como elemento permissionário de uma opinião pública bem informada e garantidor de um debate plural e aberto sobre toda e qualquer tema de interesse público.
Por isso, inconcebível o ato emanado pela autoridade acima identificada, na medida em que nenhum Promotor, Procurador de Justiça ou mesmo cidadão desse País pode sofrer sanção por emitir opinião que desagrade qualquer autoridade de plantão. Assim, ainda que uma das funções do Conselho Nacional do Ministério Público seja a de receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgão do Ministério Público da União ou dos Estados, podendo inclusive avocar processos disciplinares em curso para determinar uma série de medidas punitivas, tudo deve ser interpretado à luz da Constituição, sob a inspiração de valores e princípios. Logo, não há mais espaço na sociedade brasileira para qualquer medida identificada com a censura.
Não deve a classe quedar-se inerte diante do canhestro ato de censura. Uma pergunta que não quer calar é a seguinte: Porque vários Promotores de Justiça, inclusive o próprio Procurador-Geral receberam apoio institucional e o Procurador Kleber Couto Pinto, até o presente momento, não recebeu tratamento isonômico? Em todos os casos não houve afronta à dignidade da pessoa humana, e, em especial, à honra e à prerrogativa de um membro do Ministério Público? Cede-se a palavra à nossa Associação.
Nota-se, ao fim e ao cabo, que mais grave do que a opinião legitimamente expressada pelo Procurador de Justiça foi a reação de ofício praticada Corregedor do Conselho Superior do Ministério Público A tentativa de punição de membro do Ministério Público pelo fato de ter emitido opinião contrária à decisão do Supremo Tribunal Federal, na realidade, compromete a imagem do novo órgão criado pela Emenda Constitucional nº 45 e, por conseguinte, do próprio Brasil, um País que, atualmente, respira ares muito mais democráticos. Enfim, um vexame.

Rio de Janeiro, 22 de setembro de 2008.

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