quinta-feira, 25 de setembro de 2008

* O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO CONTROLE EXTERNO DA GESTÃO MUNICIPAL E DAS POLÍTICAS PÚBLICAS


O artigo que ora se apresenta foi originado de pesquisa iniciada por grupo de mestrandos e doutorandos em Direito da Cidade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, cujo objeto seria a análise da gestão municipal e do controle externo exercido por diversas instituições, tais como os Conselhos Municipais de Saúde, Educação e Desenvolvimento Urbano, além do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro e do Ministério Público.
As questões examinadas cingiram-se às políticas públicas ligadas ao ordenamento do uso do solo, controle ambiental natural e construído e às políticas de saúde e educação, dentre os anos de 2000 a 2005, nos Municípios de Angra dos Reis, Volta Redonda, Duque de Caxias, Teresópolis, Nova Friburgo, Macaé e Cabo Frio. A metodologia adotada foi a distribuição da pesquisa entre os participantes, de forma a incumbir cada um da análise de um Município, examinando-se a atuação de todas as instituições naquela localidade.
O resultado final do trabalho deu origem a diversos artigos, cada qual decorrente do exame de uma das referidas instituições.
Especificamente em relação ao Ministério Público, para que os resultados se mostrassem eficientes e fossem colhidos de forma homogênea, recorreu-se a pesquisa junto às Promotorias de Tutela Coletiva das regiões em apreço, mediante a análise dos inquéritos civis instaurados, das ações civis públicas ajuizadas e dos termos de ajustamento de conduta celebrados no período em exame.
Contudo, apesar da tentativa de homogeneidade, algumas diferenças na coleta de dados foram observadas, devido às diversas estruturas verificadas nos órgãos pesquisados. Ademais, em se tratando este trabalho de uma compilação de várias partes elaboradas por diversos pesquisadores, há diferenças também no tocante à análise dos resultados. Os pesquisadores foram uníssonos ao afirmar a dificuldade na obtenção das informações necessárias à conclusão do trabalho, já que são muitas as dificuldades materiais das Promotorias de Justiça. As instalações, em sua maior parte, são módicas, sendo o pessoal, ainda, bastante insuficiente para atender à demanda necessária. Apesar da existência de um sistema de informática para controle e acompanhamento dos procedimentos, estes não são, muitas vezes, devidamente alimentados e atualizados por absoluta falta de servidores. Os poucos funcionários existentes nos órgãos de execução destinam-se, em sua maioria, ao atendimento da população, aos trabalhos burocráticos referentes ao tombamento e numeração dos inquéritos e procedimentos, além na redação das correspondências oficiais. Pouco tempo resta, portanto, para o trabalho de digitação de dados.
Por outro lado, todos os integrantes do grupo foram bem recebidos pelos Promotores de Justiça, os quais se colocaram à disposição para auxiliar na pesquisa, conscientes dos resultados positivos da divulgação do trabalho. Alguns dos dados solicitados foram colhidos, embora num prazo médio, através da análise de livros e dos próprios autos dos procedimentos existentes.
Após a análise conjunta das instituições e órgãos de controle pesquisados, os quais são igualmente objeto de outros artigos, constatou-se que o Ministério Público seria aquele que gozaria de maior credibilidade junto à população, sendo ainda o que efetuaria um controle externo mais contundente. Esta conclusão iria, inclusive, de encontro ao resultado de outra pesquisa recentemente publicada em jornais de grande circulação, acerca da credibilidade das instituições, em que o Ministério Público encabeça a lista das mais confiáveis.
Contudo, a confiança depositada no Ministério Público, se por um lado traz esperanças dos bons resultados de um necessário processo de moralização e de ética, gera algumas frustrações quando se observam os números referentes à sua efetiva atuação. Longe de ser uma instituição perfeita, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro apresenta inúmeras deficiências materiais, principalmente no que tange ao pessoal, sendo, muitas vezes, impraticável uma atuação rápida e eficaz como se pretende. O aumento progressivo de denúncias, principalmente junto à Ouvidoria-Geral, serviço criado em maio de 2005, deveria ser acompanhado de maior número de profissionais e de órgãos de execução que as acompanhassem, o que lamentavelmente não se verifica.
Especificamente quanto ao objeto ora em estudo, cuja amplitude serve para observar, justamente, a diversidade de resultados quanto à efetividade dos instrumentos legais e da atuação do Ministério Público, vê-se que o maior número de procedimentos e ações refere-se à matéria ambiental, especialmente nos Municípios de menor porte. Em contrapartida, a fiscalização de políticas de saúde e de educação se mostra bastante inferior, principalmente dentro do universo da matéria de cidadania. A facilidade na solução de conflitos de ordem ambiental se deve tanto à boa estrutura do Ministério Público neste mister quanto aos instrumentos legais de que se pode dispor. Nos quadros do Ministério Público, existem inúmeros peritos que integram o denominado GATE (Grupo de Apoio Técnico Especializado), grupo de extrema confiança dos Promotores de Justiça formado por equipe multidisciplinar, da qual constam biólogos, químicos, arquitetos, engenheiros das mais diversas especialidades, como florestais, sanitaristas, químicos, cartógrafos, de trânsito, de orçamento, dentre outros. Tais especialistas, não raro, emitem parecer técnico auxiliando a atuação ministerial.
Ademais, a legislação ambiental é bastante objetiva no tocante às normas técnicas, à reparação do dano ambiental, às penalidades aplicáveis aos responsáveis, tornando mais facilitado o trabalho do Promotor de Justiça. Os instrumentos processuais do inquérito civil, do termo de ajustamento de conduta e da ação civil pública podem, assim, ser utilizados com uma eficácia bem maior.
O mesmo não ocorre, lamentavelmente, quando se trata de políticas de saúde e educação. A legislação, embora bastante elogiável em seus valores e disposições, passa a apresentar conteúdo demagógico, na medida em que não traz qualquer dispositivo mais objetivo e contundente. Regras que obrigam a aplicação de percentuais orçamentários são ignoradas por mecanismos criados pela própria lei orçamentária, que permitem alguns reajustes na destinação de verbas, além de despesas não propriamente identificadas, as quais, muitas vezes, se destinam à propaganda do governo, por exemplo. Na tentativa de buscar o cumprimento da lei, o Ministério Público exige, recomenda e finda por intentar demanda judicial, porém esbarra com a constante alegação do poder público de que lhe falta verba para a execução das políticas. O Poder Judiciário, por sua vez, não raro acata tal afirmação, e, de forma conservadora e acomodada, decide não se imiscuir em tais matérias, as quais estariam protegidas pelo mérito do administrador público em optar pela política que melhor lhe aprouver. E assim vai ocorrendo, sucessivamente, uma série de atitudes desrespeitosas com uma população já carente e empobrecida.
Por fim, como justificativa, ainda, para a insípida atuação do Ministério Público nas questões relativas às políticas públicas, tem-se o crescente número de casos envolvendo atos de improbidade administrativa. Após a divulgação do trabalho do Parquet nesta área, as representações, anônimas ou não, que dão notícia de casos de desvio de recursos, de esquemas de corrupção, de concursos fraudados, de licitações superfaturados e outros tantos são cada vez mais numerosas, absorvendo a maior parte da demanda do Ministério Público. Tal se pode verificar, por exemplo, ao observarmos os números ínfimos de procedimentos, ações e termos de ajustamento de conduta existentes em determinadas Promotorias da região da Baixada Fluminense. Aquele núcleo, formado por municípios marcados pela impunidade, pela pobreza e pela corrupção, apresenta uma infinidade de casos de improbidade administrativa supostamente praticados por agentes públicos da região. Tais procedimentos acabam por absorver toda a atuação ministerial da região, sendo os Promotores de Justiça obrigados, muitas vezes, a deixar de lado as demais matérias.Por todo o exposto, é possível concluir que a instituição do Ministério Público, certamente, faz jus ao seu bom nome, diante do crescente número de profissionais dedicados, idealistas e íntegros, porém ainda possui muito a amadurecer, especialmente no tocante à necessária reestruturação de suas atribuições e de seus órgãos, de forma a homogeneizar, entre todos os seus integrantes, tanto o volume de trabalho quanto as facilidades materiais das Promotorias de Justiça e, assim, finalmente corresponder às expectativas daqueles a quem são incumbidos de representar.
RENATA NEME CAVALCANTI - PROMOTORA DE JUSTIÇA

terça-feira, 23 de setembro de 2008

* VEXAME

É com profundo pesar que afirmo: Foi um vexame. Lamentavelmente, não encontro outra palavra melhor para exprimir meu repúdio à decisão tomada pelo Corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público de enviar ofício à Corregedoria do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para apurar conduta funcional do colega Kleber Couto Pinto, Procurador de Justiça, que em artigo publicado fez críticas à decisão do Supremo Tribunal Federal no caso da edição da súmula referente ao uso de algemas.
Na realidade, as ácidas palavras pronunciadas pelo ilustre Procurador, independentemente de exprimirem idéia dominante no seio do Parquet, são irrelevantes. É que num país que pretenda ser democrático nenhuma instituição tem o direito de calar as críticas por mais injusta e absurda que sejam.
O Corregedor entendeu que nosso colega abusou do direito de manifestar seu inconformismo com determinada situação jurídica. Sua atitude foi correta? Será que cabia a ele tomar qualquer medida? Caso fosse legítimo ao Corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público punir todos aqueles que formulem críticas aos integrantes dos Poderes (Federais, Estaduais ou Municipais) não haveria mais liberdade de expressão. Hoje se procura punir alguém por ter manifestado pensamento contrário ao dos ministros da Suprema Corte, amanhã, quem sabe, não se pretenderá punir alguém por ousar discordar da posição adotada pelo Conselho Nacional do Ministério Público.
No Estado Democrático de Direito, os atos emanados de qualquer autoridade correcional, não podem afrontar a Constituição. No Brasil, a Lei Maior consagrou a liberdade de expressão e a proibição da censura, repetindo a vedação em artigos e parágrafos diversos. A postura do legislador constituinte revela flagrante desprezo pelas práticas de um regime autoritário e de exceção outrora vivido. E, nesse compasso, bem sabia o legislador que a existência de uma democracia depende muito da garantia da liberdade de expressão em seu duplo papel: de um lado, como um direito subjetivo essencial para a auto-realização do indivíduo no contexto da vida social, e, de outro, como elemento permissionário de uma opinião pública bem informada e garantidor de um debate plural e aberto sobre toda e qualquer tema de interesse público.
Por isso, inconcebível o ato emanado pela autoridade acima identificada, na medida em que nenhum Promotor, Procurador de Justiça ou mesmo cidadão desse País pode sofrer sanção por emitir opinião que desagrade qualquer autoridade de plantão. Assim, ainda que uma das funções do Conselho Nacional do Ministério Público seja a de receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgão do Ministério Público da União ou dos Estados, podendo inclusive avocar processos disciplinares em curso para determinar uma série de medidas punitivas, tudo deve ser interpretado à luz da Constituição, sob a inspiração de valores e princípios. Logo, não há mais espaço na sociedade brasileira para qualquer medida identificada com a censura.
Não deve a classe quedar-se inerte diante do canhestro ato de censura. Uma pergunta que não quer calar é a seguinte: Porque vários Promotores de Justiça, inclusive o próprio Procurador-Geral receberam apoio institucional e o Procurador Kleber Couto Pinto, até o presente momento, não recebeu tratamento isonômico? Em todos os casos não houve afronta à dignidade da pessoa humana, e, em especial, à honra e à prerrogativa de um membro do Ministério Público? Cede-se a palavra à nossa Associação.
Nota-se, ao fim e ao cabo, que mais grave do que a opinião legitimamente expressada pelo Procurador de Justiça foi a reação de ofício praticada Corregedor do Conselho Superior do Ministério Público A tentativa de punição de membro do Ministério Público pelo fato de ter emitido opinião contrária à decisão do Supremo Tribunal Federal, na realidade, compromete a imagem do novo órgão criado pela Emenda Constitucional nº 45 e, por conseguinte, do próprio Brasil, um País que, atualmente, respira ares muito mais democráticos. Enfim, um vexame.

Rio de Janeiro, 22 de setembro de 2008.